quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Fracasso

Daqui eu observo. Aqui eu estou, e não estou.
Sou o mesmo que, não te influencia, mas aconselha. Ainda assim não a sua vontade, não a sua mente, mas aquela centelha eterna, sua alma imortal, que foi expirada por nosso pai junto com todas as outras naquele momento antigo, naquele dia de luz.
Não posso fazer muita coisa, não diretamente, não decisivamente. Por que aqui estou, mas ainda assim não estou.

sábado, 16 de outubro de 2010

A chave de Esther.

Julian dormia no telhado do velho casarão. Era inicio da tarde, pouco depois do almoço, e por isso mesmo Julian não fez muita cerimônia para tirar uma soneca.
Havia chovido muito há algumas semanas, mas o mago Audus só pôde conjurar um feitiço para desviar a chuva do casarão tarde demais, quando a água já descia pelas escadas para o térreo em cascatas. A mobília e boa parte dos papiros e livros da biblioteca, antiqüíssimos e inestimáveis na maioria, se molharam. Julian foi incumbido pelo mago a secá-los cuidadosamente no porão, estendendo-os num varalzinho perto da antiga caldeira à lenha.


Tetsuo


Um zumbido...Tetsuo olhou para cima, protegendo os olhos do sol, que às 08:15 já era forte. No céu azul profundo ainda havia algumas estrelas.
A sirene soou. Potente e aguda como uma wakizashi, seu som atravessou o peito da cidade.

Possessão

Possessão

O grito estridente e maquiavélico ecoava dentro da casa. Era uma gargalhada profunda, entrecortada, esganiçada, que parecia vir de todos os lugares. Um som doente, como se ela engasga-se com sua própria saliva ou que sua garganta estivesse cheia de feridas.

Emerson procura, os olhos esbugalhados, forçando a visão no escuro, a origem daquilo, mesmo sabendo que não queria encontrar.

 

_Filho da puta medroso! Abra essa porta! _ a casa toda tremia, os moveis balançavam, alguns pratos caiam.

A cada grito daquela voz diabólica Emerson sentia um calafrio, um relâmpago que nasce nas entranhas e se espalha pelo seu corpo como um choque violento. Seu estomago contraia, havia a ânsia de vomitar, enquanto sua cabeça parecia que ia explodir a cada batida de seu coração.

_Vai Embora! Por favor! Agora!!!! Me deixa em paz! _  Emerson tentou calcular seu tom de voz a fim de imprimir o máximo de autoridade, mas se perguntava o quanto de seu desespero poderia transparecer.

_Háaaa...Há...Há... _ A única resposta que Emerson obteve foi essa. Uma gargalhada tão tenebrosa que parecia que uma brecha do inferno se abriu para engoli-lo.

Saber que aquela voz, tão inumana, tão disforme, ainda reservava algo conhecido, intimo, era aterrador. Emerson se perguntava se teria coragem de descer o martelo com toda a força na cabeça de Isabelle. Naquele momento todo o amor que sentiu por ela desapareceu numa nuvem de pó que caia das telhas quando a casa tremia, até nada ter restado desse amor, só medo. Ou talvez ele ainda amasse Isabelle, mas o que havia dela naquele corpo destroçado?

Esta história deveria ter um começo, que poderia bem ser este, mas seria uma história muito curta. Então, quando a mente de Emerson busca em seus pensamentos uma razão, um motivo, e tenta voltar até o primeiro momento, o primeiro instante em que deveria ter percebido algo diferente, o momento em que deveria ter agido... o acompanhamos. Para nos deliciarmos mais plenamente de seu desespero. Eu gosto disso.

Poucas semanas serão necessárias regredirmos. Até um momento em que Emerson vê novamente o rosto de Isabele, como ele deveria ser.

Ela o observava lixar um móvel, assoprar o pó de madeira e estudar o reflexo da luz nele. Um criado mudo que ele mesmo fabrico. Achava esse um ótimo hobby, e melhor ainda, conseguia, ás vezes algum dinheiro fazendo móveis pequenos para conhecidos ou parentes. É claro, às vezes sentia tanta satisfação fazendo isso, um móvel único, não personalizado, mas idealizado, que sentia vontade de ficar com o móvel para ele, e chegou a ficar com alguns mesmo. Pedia desculpas para a pessoa que o havia encomendado, prometia fazê-lo (novamente) o mais breve possível, e prometia também a si mesmo tentar não caprichar muito, não por maldade, só não queria outro criado-mudo.

Isabelle o observava com o olhos estranhamente opacos, olheiras escuras e a pele de uma cor amarela bem esquisita.

_Está se sentindo bem, amor? Está gripada?

_Ahn... Não... Acho que não. Eu dormi mal. Tive um sonho horrível. Não, foi um pesadelo, foi horrível.

_Que estranho, Isabelle! Você nunca reclamou disso antes. Aliás, eu nem sabia que você sonhava. _ disse, tentando brincar _ Tente dormir um pouco, pode ser aqui mesmo. Deixe-me arrumar a minha cama para você.

_Sabia!...Sempre tentando me levar para a cama, não é ?!... Mas não se preocupe. Não vou dormir. Tenho medo de dormir.

_O que houve, Isabele? Conte para mim...

Isabelle contou seu último sonho para Emerson, disse que não eram repetitivos, que toda noite era um sonho diferente. Ele inicialmente achou que seria mais um sonho ruim qualquer, algo fútil e sem graça, um grito dos hormônios de uma mulher por um homem, como às vezes pode acontecer. Mas conforme Isabelle ia falando, ele sentiu nos pêlos da nuca um arrepio gélido, tanto quanto o suor que escorria-lhe pelas costas.

Horrível. Se não apenas pela história, mas também pela sensações que Isabelle passava. Os olhos esbugalhados e atônitos dela como se estivessem relembrando não apenas um sonho, mas algo que realmente acontecera. A sua mão quando descrevia a faca que empunhava, o movimento forte e repetitivo como se mutilasse o corpo de alguém. Enquanto ela falava, saliva se acumulava nos cantos de sua boca tamanha era a velocidade com que falava, sem pausa. O movimento de seus dedos, quando descreveu ter as mãos empapadas de um sangue viscoso e pegajoso.

Emerson tentou esconder o quanto ficou impressionado, não ajudaria nada se ela percebesse que ele também achara aquilo horrível e não uma bobagem qualquer. E a acalmou da melhor maneira que pode.

Mas aquilo foi se repetindo. Toda manhã, às vezes o sol nem aparecia completamente e ela já vinha à sua porta, apressada, contar o sonho que tivera na noite que acabara de terminar. Eram tenebrosos. Emerson se pegara várias vezes fazendo uma força indescritível para focar em outra coisa, um móvel, uma programa de televisão, para tirar da mente as imagens vívidas que Isabelle implantara em sua mente. Um dia quase chegou a dizer pra ela:

_Não durma mais. Apenas não durma que esses sonhos não vão mais acontecer! _ coisa que percebeu oviamente ser impossível antes mesmo de falar, e se conteve.

_Vamos pra minha casa. _ disse Isabelle neste dia _ A gente assiste a um filme. Não me deixe sozinha hoje.

Emerson tentou pensar em uma boa desculpa para não ir.

_Juntos ... Mesmo!!!_ frisou Isabelle quando sentiu a indecisão dele. E funcionou.

A casa de Isabele ficava num lugar afastado. Entre uma linha férrea e uma mata sobrevivente. A casa era antiga e muito pequena, claustrofóbica.

O filme que assisitiram poderia ser qualquer um, afinal, Emerson nem reparou muito e fingiu estar com sono antes da hora só para ir para cama.

Isabelle quase chorou pedindo para ficarem mais tempo acordados, mas foram dormir. Eles fizeram amor por algum tempo. Fora a primeira vez deles e depois disso Isabelle dormiu como se não dormisse há tempos.

Já madrugada, Emerson foi ao banheiro e, quando voltou, com a luz acesa, viu no corpo nu de Isabelle marcas roxas, vermelhas, hematomas de vários tipos e cortes na pele. Ele se aproximou e, vendo mais de perto, eles eram piores do que pareciam.

_Mas com que tipo de louca eu estou lidando? _ disse ele, sabendo que ela não iria escutar. _ Amanhã preciso falar sério com ela! Vai procurar um médico, um psiquiatra!

Emerson deitou novamente preocupado ao lado de Isabelle, as imagens dos sonhos dela agora estavam vivas na sua mente também.

Umas três horas da manhã Emerson acordou novamente. Isabelle não estava na cama. A procurou em toda a casa, mas ela não estava.

Ouviu algo lá fora. Seria ela? Procurou suas roupas. Não podia ir para fora assim. Onde estão esses malditos sapatos? Olhou embaixo da cama. Havia, além dos sapatos, algo estranho lá. Um embrulho, um enorme monte sujo e mal amarrado. Emerson o puxou e quando o abriu, caiu para trás assustado e começou a vomitar quase que imediatamente. Havia no saco roupas, todas rasgadas  e sujas de sangue, havia facas, martelo, a parte metálica de uma foice, tudo num enorme monte vermelho de sangue e germes, que exalavam um cheiro que...que não deveria existir.

Outro som lá fora. Foi um grito? Segurando a ânsiad de vômito, pegou o martelo e correu para fora. A escuridão parecia uma parede sólida, só sabia que não estava flutuando num limbo de trevas porque sentia seus pés pisarem as pedras enquanto seguia os gritos de uma criança e uma risada doentia.

Quando chegou perto o suficiente o que viu o deixou perplexo. Isabelle, o corpo contorcido, como uma fera que arquejava, tinha seus olhos vermelhos e a saliva escorria de sua boca em grande profusão. Ela arrastava, segurando pelos pés, uma criança que deixava com as mãos um rastro na terra e algumas unhas enquanto gritava e esperneava.

_Isabelle!!!_ Gritou .

A criatura, surpreendida talvez, mirou seus olhos vermelhos na direção dele enquanto afrouxava a mão que carregava a criança. Quando a criança conseguiu se libertar e rapidamente sumiu na escuridão, a criatura, refeita, vociferou:

_Verme!!! Volte aqui, verme!! _ gritava a besta enquanto freneticamente vasculhava a escuridão, mas quando percebeu que a perdeu a criança, virou-se para Emerson que ainda estava petrificado:

_Idiota!!! Só precisava de mais um sacrifício!!! Só mais um!!! _ e mostrando os dentes num sorriso bestial, grunhiu _ Por outro lado, sangue é sangue. PODE SER O SEU!!!

Emerson conseguiu sair da paralisia e correu o mais que pode para a casa de Isabelle, que infelizmente ela deveria conhecer melhor que ele. Logo quando entrou fechou a porta e a casa tremeu como se um carro houve se chocado contra a porta que fechara atráss dele. Fechou as janelas também. E depois apenas silêncio.

Até que um grito estridente e maquiavélico ecoou dentro da casa... Dentro da casa!...

Neste ponto a história já é conhecida, não obstante não poderia retomar daí. Isto deixaria a história longa demais. Vou passar deste ponto em que Emerson está aparentemente indefeso, como um cordeiro ante o chacal, e vou para um momento a depois... Um ponto em que sinto um prazer... especial.

Atrás de Emerson pode-se ver que a pequena casa está destroçada. Um enorme buraco no teto, de onde sai uma fumaça cinza, denuncia a destruição que haveria lá dentro.

Ele está agachado, as mãos suspensas para evitar o sangue que toma todo o seu corpo. Uma repulsa involuntária.

De frente para ele está quem costumava ser Isabelle. Amarrada nos trilhos do trem. Emerson está ali, velando a futura morta para se certificar que isso ocorrerá. A mulher engasga com seu próprio sangue. Quando tenta respirar mais profundamente bolhas vermelhas brotam de um buraco no seu peito e a tosse joga alto um spray de sangue quente. O trem está quase chegando. Está quase na hora.

_Viado maldito!!! Me solte !!!

Emerson passara as últimas hora nesta posição. De inicio quase se pegara cedendo às suplicas do demônio quando, em desespero fingia ser Isabelle, lhe dizendo palavras de amor e suplicando perdão. Só para, quando percebia que não estava enganando, voltar a vociferar injurias e palavrões, o que de certa forma até tranqüilizava Emerson. Afinal, isso deixava mais claro que não restava nada de Isabelle ali naquele corpo.

O trem foi pontual. Às 04:50 apareceu no horizonte. O demônio ainda estava vivo.

_Cretino miserável!!! A criança fugiu! _ Emerson se levantou e se afastou, quando percebeu a vibração do trem chegando perto.

_Sim! A criança fugiu! E por Deus... Você pagará pelo que fez com Isabelle! Vá para o inferno, besta!

A criatura olhou para o trem que se aproximava e soltou uma gargalhada feroz.

_Criatura inútil! Não haverá o sacrifício da criança! Mas haverá um sacrifício!

_O que você está dizendo? Só você vai morrer aqui hoje, demônio asqueroso!

_EU ?!? Isabelle será o sacrifico!!! Será uma honra pra ela! E quando este corpo for despedaçado meu mestre terá pago o preço e terá permissão para sair do inferno e ele tomará o corpo da alma vivente mais próxima!

Eu achava que seria Isabelle, seu idiota!!! Mas olhe ao redor, só há você aqui! Corra!!! Corra !!! Corraaaaa !!!

E riu , a criatura riu e sua risada ecoou! Ela olhava para o trem a poucos metros e se deliciava com cada momento. Até que o trem às 04:53 passou por sobre o corpo daquela que fora Isabelle.

Emerson esta a pouquíssimos metros dali. É incrível a fragilidade do ser humano, ele só conseguiu correr vinte passos depois que percebeu o quanto estava ferrado! E foi nesse ponto que eu tomei seu corpo. Meu corpo.

Hoje, o Emerson é só uma voz que às vezes fala na minha cabeça e mas isso com um Dipirona ou um drink. É hilariante ver como ele chora feito uma criança, esse mané.

E eu fiz uma grande fogueira com aquele monte de moveis idiotas dele.


O veneno que nos separou


Silêncio. Frio. Muito frio. E era só isso. Não... Havia mais... Havia uns lampejos de luz...
E foi assim por algum tempo. Ela não estava em lugar nenhum e por algum tempo também não pensou sobre isso.

A velha do carvalho

A velha do carvalho

Amanda estava lavando louça. Ela morava numa pequena fazenda e tinha doze anos. A casa de madeira em que morava era bastante grande. A madeira foi retirada dali mesmo, do Bosque dos Carvalhos, o que dava um cheiro todo especial à casa.

O pai quase nunca saía da pequena, mas próspera, fazenda. Entretanto neste dia em especial teve mesmo de sair. A época da colheita se aproximava e ele tinha coisas a resolver na cidade.
Amanda não lembrava da mãe. O pai não gostava de falar dela, ficava bravo. Bateu muito nela na ultima vez que perguntou pela mãe: “- Não quero você falando dela nunca mais, ouviu?”
A imagem das lágrimas escorrendo pelo rosto quente e vermelho do pai, como um pimentão, enquanto girava sua cinta no ar ainda era viva em sua lembrança. Também era viva a lembrança da dor que lhe deixou finas marcas vermelhas na pele das costas durante vários dias.
O pouco que Amanda soube da mãe ouviu por detrás das portas ou atrás dos muros. Como naquele dia antes de ela completar dez anos, numa ocasião em que Tia Clara, irmã mais velha de seu pai, os visitava:
- ...ela já está para fazer anos de novo, Ben, vai fazer dez. Como florescem rápido nossos filhos, não é? Se for verdade a história que contam por ai Benjamim, já deve ser hora de resguardar Amanda. Mande-a para viver comigo.
- Não acredito que tenha verdade nestas histórias de maldição, Amanda está fora disso.
- Você quer esperar até que aconteça também a Amanda o que houve com a mãe dela? Ouvi falar que ela encontrou a Voz antes da idade de Amanda. Dizem que isso aconteceu com toda a família dela. Isso é verdade?
- Você sabe que é invenção da família de Eleanor, aquele bando de simplórios supersticiosos. Não me aborreça e não fale disso novamente. Se alguém do Bispo a ouve falar o nome de Eleanor ou no que ela se tornou, será punida. Você sabe qual é o castigo, não sabe?
Eleanor, assim conheceu o nome da sua mãe. Foi a primeira vez que ouvira e também a última. Nunca soube nada dela nem tampouco encontrou nenhum parente do lado materno para perguntar algo.
Amanda freqüentava a escola de ofícios de manhã, onde aprendia a tecer, esta seria sua profissão para o resto da vida. Ela não sentia entusiasmo nisso.
Lavou a louça e começou a fazer comida para que houvesse algo quente para o pai quando chegasse.
Ela pôs a cabeça na janela quando ouviu uma voz chamando de fora e viu que uma senhora, bem idosa e maltrapilha que chamava. Lembrou-se de que seu pai a proibira de abrir a porta para estranhos e de falar com algum quando estivesse sozinha. Ela pensou que a velhinha era inofensiva e parecia ter fome e sede. Não haveria mal algum em ajudá-la. Separou um pouco de comida e um pouco do leite que sobrara do café da manhã.
Quando estendeu o embrulho à velhinha sentiu um calafrio desagradável ao ver na sua boca os restos enegrecidos dos dentes e outros tantos espaços vazio.
Mas ainda assim o sorriso da mulher era caloroso e sincero.
- Obrigado criança - disse a anciã - que o grande Deus de sua casa abençoe a bondade que me fazes e que nunca venha a precisar de favor igual.
Amanda apenas sorriu e voltou para dentro da casa alegre, mas rapidamente.
Não contaria ao pai o que fizera, não por ser algo ruim, sabia que não era, mas por que ele com certeza brigaria por ela ter falado com a senhora estranha na ausência dele.
Amanda ia para a escola caminhando pelo Bosque dos Carvalhos. Ela saía logo de manhã e gostava de observar como, conforme o sol ia subindo no céu, as sombras das árvores, diminuíam no chão. Gostava de ver como a luz do sol desenhava cortinas bordadas das mais finas e leves quando vazava pelas folhas das árvores e irradiava na tênue neblina. Um dia Amanda encontrou a senhora a quem dera comida sentada ao pé de um carvalho enorme no bosque. Nos primeiros dias não falou com a mulher, a observava de longe.
A velha usava um vestido que parecia mais um enorme trapo de várias cores, seu cabelo era tão branco que parecia jamais ter tido outra cor. Sua pele era tão enrugada que parecia terra seca trincada pelo sol.
Ela não tinha muitas coisas. Tudo que tinha cabia numa pequena carroça que seu burrinho que pastava ao longe puxava talvez sem grande esforço. Havia também um gato preto de olhos dourados e um pequeno baú.
Às vezes a velha cozinhava num pequeno caldeirão enegrecido pela fuligem numa fogueira que ficava num circulo de pedras, noutras ocasiões ficava parada, aninhada numa das grossas raízes do carvalho olhando fixamente o nada.
Amanda habituara-se a naquelas semanas sempre observar por algum tempo a anciã moradora do Bosque dos Carvalhos. Num dia, porém, surpreendera-se quando, ao espreitar, não encontrou a onde costumava estar.
Com todas as coisas dela ali, a velha apenas deveria ter ido dar uma volta. E apesar de saber que ela não tardaria Amanda resolveu olhar de perto o refugio montado aos pés do carvalho.
O pequeno caldeirão cozinhava um ensopado de legumes e carne de coelho. Da fresta da tampa subia uma fumaça suave com cheiro de ervas, alecrim e manjericão. Amanda cheirou o vapor e imaginou como era possível cozinhar algo tão bom em tão precárias condições. Ela pegou um pouco de manjericão que estava numa mesinha improvisada perto do fogo e colocou um pouco no caldeirão.
A maneira como a colcha de retalhos que a mulher usava para dormir estava estendida no chão era curiosa. Sobre uma grossa camada de folhas secas e entre duas fortes e grossas raízes e com a enorme árvore na cabeceira a cama da velha parecia um leito digno dos mais nobres.
Nas duas ramificações da raiz que passava ao largo da cama improvisada, a velha equilibrou pequenos objetos, que Amanda observou cuidadosamente, tomando o máximo cuidado para deixá-los na posição em que os encontrou.
Havia um pequeno e ornamentado baú e viu que dentro havia vários embrulhos. Achou que eram caixinhas, mas não eram. Pegou um deles, abriu e viu que tinha uma capa de couro e folhas de papel. Havia figuras em algumas das folhas e nas outras coisas que pareciam números, mas não eram.
- Parece que gostaste do meu livro - disse a velha que apareceu como por encanto ao lado de Amanda.
- Desculpe, por favor... Eu não ia pegar nada das suas coisas, juro! - disse gaguejando e assustada.
- Oh, não tem nada, menina.
- Me perdoe, eu sei que não devia estar aqui nem xeretando suas coisas.
- E ontem? E antes de ontem? E durante a semana passada inteira? Também não deverias estar aqui nestes dias? - disse a senhora rindo - Venho te observando a observar-me e tenho aguardado com ansiedade a ocasião em que viria falar comigo.
- É que meu pai não gosta que fale com estranhos.
- Há muito tempo me observas e me acompanhas de longe. Lembro-me igualmente da ocasião em que me destes, com gesto de grande generosidade em tempos tão difíceis, aquele prato de comida e o leite. Como podes considerar-se ainda uma estranha a mim ou eu uma estranha a você? Tomará do guisado de coelho que ajudou a temperar?
- Não obrigado. Tenho pressa em voltar para casa, meu pai me espera.
- Como disse, vejo que gostaste do meu livro - disse a velha estendendo-lhe um prato fumegante - Sabes ler?
- O que é isso?
- Vejo que não sabes e isso é um livro, criança. Um bem antigo, mas que nunca canso de ler por que sempre tem histórias novas que eu mesma faço.
- E pra que serve?
A velha pensou alguns instantes e riu, mostrando seus dentes ausentes e outros tantos podres:
- Me pegou agora. É algo tão simples, mas tão difícil de explicar. Deve ser porque me é tão natural.
Amanda olhou a velha de uma maneira que não precisou falar a pergunta.
- Sentes o cheiro do ar que respira? Decerto que não. Mas já sentiste, quando o ar lhe era novidade sentiras seu sabor. Assim acontece-me agora, como falar de maneira simples de algo que me é tão comum como respirar? Disse a velha oferecendo um prato.
A aparência da mulher alertara a prudência de Amanda a não comer daquele guisado, mas o cheiro era bom e doce e ela viu que não precisava recusar.
- Mas o que são essas coisas esquisitas? Que tipo de números são estes? Nunca os vi.
- Isto são letras. É diferente dos números que lhe ensinam na escola. Tenho pena de vocês crianças que não aprendem mais a ler palavras.
- Como podem ser estas coisas palavras?
- Sim palavras, juntas formam frases e quando houver mais ainda, pensamentos.
Amanda não conseguia entender, aquilo era impossível. Na escola de ofícios lhe ensinavam os números e sua profissão de tecelã. Disseram que isso era tudo que havia de importante. Como poderia haver sons e palavras ali naquelas folhas, além, é claro, dos sons dos números?
Amanda virou o livro em várias posições, mas não conseguiu uma forma de decifrá-lo. A velha achou graça e disse.
- Querida, ler é uns dos maiores dons que podes conseguir em sua existência. Podes ter várias vidas no espaço de tempo de sua vida, eu, por exemplo, sou muito, mas muito mais velha do que o muito que já aparento, pois já vi, vivi e acompanhei muitas vidas diferentes da minha própria. E foram muitas.
A mulher colocou mais algumas ervas no caldeirão e vendo o interesse da menina, continuou:
- Poderás também, criança, viajar para lugares distantes e fantásticos mesmo estando aqui, no Bosque dos Carvalhos. Podes ainda amar louca e apaixonadamente e provar do beijo e provar dos abraços mesmo ainda pura e casta como és; virgem.
Ficaram em silêncio a menina e a velha durante muito tempo. A velha cozinhava. Depois de mais tempo ainda Amanda perguntou.
- Senhora, como aprendo isso a que chama de “ler”?
- Terás coragem?
- Sim.
- Então proponho algo, se me quiseres ouvir- disse olhando-a de soslaio, obliquamente como uma velha gata dissimulada, para a menina que mantinha o livro aberto na mão.
Amanda ainda estava tentando compreender o que a mulher dissera. Como seria possível conter tudo aquilo naquele livro? Seria ela era uma bruxa ou simplesmente uma louca?
-Te ensino a ler - continuou a velha- que implica te ensinar a escrever necessariamente, se tu trouxeres para mim comida, pois já não tenho forças ou saúde, como podes ver, para conseguir sozinha tudo do que preciso.
A velha tirou a tampa do pequeno caldeirão de onde subiu uma coluna rodopiante de vapor, pegou uma colher e provou, com muito barulho, como uma criança tomando sopa.
- Ler, é isso te ofereço - falava a velha rápido enquanto andava de um lado para o outro _ Darei não só a visão desta terra que vegeta com força, mas também a de outras em que o frio cobre de branco toda a terra e a mata e o mar com a neve branca e macia como a clara do ovo que você bate até espumar.
Enquanto falava olhava com o canto dos olhos para ver a reação da criança. A fitava nos olhos bem fundo, e soube que podia continuar a tentá-la.
Pegou mais algumas folhas, picou-as com os dedos calejados e jogou na panela a erva. Provou do aroma que este emprestara a comida. Seus olhos se fixaram num ponto vago e seguiram a coluna de vapor que subia pela copa do carvalho para depois escorrer para cima por entre as folhas e galhos. Depois, pelas brechas da ramagem, a velha, com seus olhos opacos, contemplou o céu angustiosamente azul e continuou a falar.
- Esse mundo e muitos outros mais. As estrelas e o sol, verás não só o momento em que nascem, mas presenciará suas mortes.
- Desculpe, Senhora, não entendo o que oferece. Algo assim não existe, se existisse decerto já saberia ou teria ouvido falar, pois já tenho idade para saber das coisas. Ou ainda qualquer outra pessoa das que conheço saberia.
- Dê esse livro, vou mostrar do que falo e entenderás o que digo- e a velha começou a fazer aquilo que ela chamava de “ler” para Amanda.

" Meu nome é Cristine, sou bailarina. Hoje faz três meses que danço todos as noites nos escombros do que já foi a sala do trono para alegrar as tropas do Rei que roubou a coroa de meu pai ... "

Amanda, que ainda se sentia insegura ali, na mata com aquela mulher velha e feia, parecendo uma bruxa; que olhava ao redor explorando os objetos exóticos e estranhos da velha; que achava que a mulher louca agora falava sozinha; foi aos poucos perdendo a noção das coisas ao redor.

A velha abriu outro livro e fez o que chama de ler.

"Meu nome é Ariel. Eu sou.. não, eu era um anjo. Eu olho para o céu e me sinto preso ao chão. Foi assim que cortaram minhas asas.. "

Não havia mais nada, o vento nos carvalhos do Bosque dos Carvalhos cessou, também os ruídos dos animais e o crepitar do fogo, tudo cessou quando a velha falou na voz que parecia não ser dela.
Uma menina, um velho senho, um rapaz forte vigoroso, uma mulher solitária, um rei majestoso, um demônio faminto, um anjo sem asas.
De repente nem a velha estava ali, nem Amanda. Apenas as vozes permaneciam.

E outro livro.

"Sou Augiust Eteven, o primeiro de meu nome. Conquistei o direito de usar o emblema do dragão no meu escudo pois derrotei Ty, o dragão de cinco cabeças que devorou meus irmãos... "

E outro.

"Meu nome é Dan, o fraco. Sou de Eurido, uma montanha flutuante que paira sobre o mar do sul. Inventei uma máquina voadora que um dia caiu no mar. Acabei neste terra depois que fui engolido por uma baleia e não sei voltar..."

A voz desenhava imagens e lugares e sons e bichos e pessoas na mente de Amanda. A voz que falava sobre heróis e dragões, sobre amor e espadas, sobre lágrimas e sede, sobre vida e morte.
Depois disso Amanda passou a visitar o refugio todos os dias. Ela levava muita coisa que seu pai produzia na pequena fazenda, na maioria das vezes legumes e verduras e ovos. Os levava de manhã, e na volta da escola sentava numa das raízes da árvore enquanto a velha os preparava para depois pacientemente, lhe ensinar a ler e escrever. Uma letra por vez, um som por vez.
Um dia Amanda percebeu que chamava a velha apenas assim, de velha.
- Qual é o seu nome, senhora?
- Meu nome? Faz tempo que não o digo a ninguém. Se houvesse perguntado como me chamam ou como me chamo, diria: “Me chamam de velha simplesmente, pois já sou velha há muito tempo, mas há aqueles que me chamam de Voz”. Mas como perguntou pelo meu nome digo que descobri infelizmente que o esqueci há muito tempo. Por tanto tempo que passei a escondê-lo, e escondi tão bem, que também o acabei perdendo.
- A chamam de Voz?
- Sim, tem algo a ver com ser uma contadora de histórias.
- Você conheceu a minha mãe? Eleanor?
- Eleanor? Ah sim. Conheci realmente, e neste mesmo Bosque dos Carvalhos a ensinei a ler, como fiz contigo. Mas depois, nunca mais a vi.
- Então não sabe o que houve com ela?
- Ela como você, aprendeu a ler, mas se tornou como eu. Ser uma contadora de histórias é uma benção que se recebe, mas pode ser uma maldição quando não há ninguém para ouvir o que temos para contar. Mas não foi isso que ocorreu_ continuou a mulher. _ Um dia, depois que já lhe havia ensinado tudo que sabia, ela apareceu aqui, neste mesmo carvalho e me pediu para ir embora imediatamente, fugir, pois viriam atrás de mim. É só o que sei.
Os dias foram se seguindo, Amanda era inteligente e aprendia rápido. O pai não notava sua ausência, a fazenda estava em época de colheita do milho e da tosa das ovelhas preparando-as para o verão.
De letra em letra em poucas semanas Amanda construiu palavras e delas frases curtas e gaguejadas. Para escrever usava os blocos de contas matemáticas que usava nas aulas de oficio, a coisa mais parecida com um caderno que pôde conseguir.
Depois de algum tempo a velha emprestou-lhe livros para que levasse para casa, mas com a condição de não mostra-los a ninguém.
Amanda levou um livro para casa, depois outro e mais outros, sempre mantendo o maior cuidado para que o pai não os visse. Lia durante as madrugadas, no celeiro à luz de uma lamparina, no sótão só quando a vontade era muita e o pai não estava perto.
Certo dia a velha estava quieta, sentada na raiz do carvalho, rabiscando no chão com uma varinha quando disse:
- Não há mais nada a te ensinar. Já lê bastante bem, quase tão bem quanto eu. Em breve não precisarás mais de mim.
- A senhora é bondosa comigo, e malvada consigo dizendo essas coisas.
- Mas é verdade. De qualquer forma, o clima aqui já não me é tão propicio. As pessoas do vilarejo estão desconfiadas de minha presença e de minhas motivações e deixaram de ser amistosas.
- Você quer dizer que vai embora? Perguntou a Amanda.
- Sim, amanhã. Novamente para algum lugar em que não me conheçam. Mas tenho um presente para você antes de ir. Aqui tem um livro especial.
- Obrigado- disse Amanda - mas tem algo errado, as paginas estão em branco.
- É porque elas têm de ser assim, brancas. Você já leu todos os livros que tenho comigo. Não há mais nada aqui para você ler. Terás o poder, e o prazer, de escrever seus próprios livros.
- Volte um dia para que eu leia em voz alta para você.
- Não há como prometer. Mas, criança tenha cuidado - continuou a velha. - Você sabe o que aconteceu aos livros e escritores e à todos os contadores de histórias não sabe?
- Sim, agora sei. Ouvi meu pai conversando outro dia. Os livros foram queimados e seus escritores executados por ordem da Igreja, assim como os contadores de histórias. Diziam que escrever é um vicio que não cessa, e se é escritor nunca se poderá ser outra coisa. Mas só não sei o porquê aconteceu e nem papai pareceu saber.
- Já faz muito tempo e todos esqueceram o que provocou essa desgraça. Ninguém mais sabe, mas ainda sobrou a perseguição e o silêncio. Só tome cuidado. Criança... vou sentir sua falta.
- Eu também sentirei a sua, minha velha senhora - disse não podendo evitar que as lagrimas e virou-se para o bosque para que a velha não visse seu rosto.
Nesse dia Amanda chegou mais tarde do que de costume em casa. Seu pai estava esperando bastante preocupado. Ela se desculpou, subiu para o quarto, tirou o livro da blusa e o guardou embaixo do colchão. Em seguida correu ao galinheiro para pegar ovos para a ceia.
Quando voltou, ainda na porta da cozinha, com a cesta de ovos nos braços, levou tamanho susto que a deixou cair e quebraram-se todos os ovos no chão. O pai estava parado no meio da cozinha, o livro aberto em cima da mesa enquanto ele o olhava à distância, aparentemente sem coragem de chegar perto.
- Amanda. O que é isso?
- Pai eu..
- Ingrata! - gritou o pai sem esperar resposta, desferindo um tapa no rosto da filha - Você puxou a família da sua mãe, aqueles malditos. Como pude ser tão idiota?
- Pai..
- Deixei que acontecesse com você exatamente o que aconteceu com sua mãe- o homem chorava compulsivamente, andava em círculos. A menina mantinha a cabeça baixa.
- Você pode imaginar como foi difícil para mim, Amanda? Pode? Tive que entregar sua mãe à Inquisição para garantir que nos deixassem em paz, a mim e a você. E agora isso!!
- O que pai? O que você fez?- Amanda esqueceu do medo e segurou o pai pela manga da camisa_ O que você fez à minha mãe?- disse entre os dentes pausadamente.
- Não me olhe assim... Não me olhe assim... - empurrando a filha para longe. - A haviam descoberto. Se eu não tivesse feito isso nossa casa teria sido incendiada com a gente dentro. Oh Deus! Agora vou ter que entregar você também!
- Pai você não precisa fazer isso. Não precisa!- disse a menina, chorando.
- Onde foi que você encontrou a Voz? Como ela é?- chacoalhou a menina pelos braços, mas vendo que ela não iria dizer jogou-a ao chão_ Suba para seu quarto e fique lá até que te mande descer. A menina pegou o livro da mesa e correu.
Amanda da janela do quarto pode ver a chegada do bispo. Viu também os grupos de caça saindo e à noite pode ver o brilho das tochas se movimentando no Bosque dos Carvalhos. Seu coração se encheu de tristeza e, logo depois, de coragem: Iria avisar a velha!
No caminho se escondeu dos caçadores e dos cães de caça. Chegou perto da clareira do refugio no momento em que os caçadores prenderam a velha.
A frágil velha estava com uma corda amarrada às mãos. Ela, cansada, caia no chão e era arrastada pelo cavalo dos caçadores, então recebia vários golpes de chutes e porretes. Os cães a mordiam e não paravam de mordê-la em seus calcanhares nem quando, com dificuldade, ficava de pé. A arrastaram para o Bispo e Amanda viu, de longe ainda, quando os caçadores fizeram à velha se ajoelhar aos pés do homem da Igreja.
O Bispo disse alguma coisa a velha, que não lhe respondeu, ele então cuspiu nela e ordenou aos caçadores que a levassem.
Os caçadores gritavam e urravam como se estivessem fazendo algo glorioso. Empurraram então algo asqueroso na boca da velha com o porrete e passaram uma corda ao redor do pescoço dela.
Os caçadores jogaram a corda por cima de um galho e puxaram. O Bispo, tão perto da velha que os pés dela o chutavam involuntariamente na agonia, gritava:
- Poderoso Deus dos homens, reconheça a alma impura desta contadora de histórias por estes ratos mortos putrefatos que ela leva na boca. Não a deixe pisar em teus reinos e expulse-a das portas do paraíso direto ao fogo do inferno quando sentir o cheiro.
Depois do clamor, o Bispo pediu aos caçadores que a cobrissem a velha com óleo, mesmo enquanto ainda se movia, e a incendiassem com as tochas.
- Guarde um pouco do óleo - disse o Bispo. Cansei daquela família amaldiçoada da fazenda. Hoje daremos um fim nesta história de perdição de uma vez por todas.
Amanda saiu dali, engatinhando de costas, deixando um rastro de lágrimas.
Decidiu ir embora. Não voltar nunca mais! A seu pai não restava esperanças. Não havia tempo de avisá-lo, mas mesmo que tentasse provavelmente ele a entregaria para tentar aplacar a ira do Bispo.
Amanda voltou ao refugio, os pertences da velha ainda estavam todos lá. O gato preto de olhos dourados saiu miando de uma moita quando a viu. Ela pegou o baú e as pequenas coisas e arrumou-os na pequena carroça.
Passou o arreio no burrico e saiu do Bosque dos Carvalhos o mais rápido que pôde, indo para qualquer lugar.
Ao longe se via um clarão enorme rompendo a madrugada vindo do lugar onde seria a casa onde morava.
- Vão me procurar durante algum tempo quando não me acharem no quarto, se é que procuraram antes de atear fogo na casa.
Amanda estava longe quando amanheceu. Fazia frio e o gato preto de olhos dourados dormia enrolado ao lado dela enquanto o burrico já puxava sem pressa.
_Preciso ir para o mais longe que puder e viver escondendo meu nome, mas juro por Deus que não vou esquecê-lo.
Estava à procura de um lugar onde ninguém a conhecesse e onde os, agora ,seus livros seriam bem-vindos.
Tirou o livro em branco de dentro da blusa e escreveu:
"Meu nome é Amanda, filha de Eleanor, e vou contar como me tornei a Voz... "
""

Flerte



Já sentia um aperto no coração. Uma energia estática na barriga. Os pelos dos braços arrepiados. Ela estava ali, já a via.
A estação cheia, mas ao mesmo tempo não poderia estar mais vazia. Muita gente, alheias e submersas numa dimensão paralela em que só elas mesmas existiam de cada vez. Admito, eu era assim. Ou sou. Saí,quem sabe momentaneamente, dessa indiferença irritante apenas por ela.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Apenas mais um caso de amor.

Marcos chegara em casa um pouco mais tarde do que de costume.
Foi o ultimo dia no curso pré-vestibular que fazia. Estava contente e ansioso para ver se seu esforço iria render bons frutos.

A dançarina.

O general estava refestelado no trono. Ainda sujo e suado da batalha, com seu rosto e roupas tomados de um sangue velho e escuro que enchia, assim como os outros soldados, o salão com um cheiro acre e pestilento.
Pelas enormes janelas daquela torre se podia ver o clarão e as colunas de fumaça do incêndio que ia corroendo a cidade. O enorme salão de mármore branco estava repleto de soldados. Eles bebiam, comiam e se divertiam à custa do reino que acabavam de tomar.

Sonia

O pai entrou no quarto trazendo um pequeno castiçal aceso. Sonia fingia que dormia e seu coração estava aos pulos enquanto mantinha os olhos fechados. A respiração, rápida e apreensiva, no entanto, era difícil de moderar para que parecesse a de alguém entregue ao sono profundo. A situação chegava a ser sufocante.

A noiva.

Ele chegou e antes de apagarem-se as luzes procurou uma mesa vazia, encontrou uma no fundo do salão. Havia uma névoa persistente devido aos cigarros que ali se fumava indiscriminadamente.
Uma garçonete se aproximou. Tinha um belo rosto, apesar de amarrotado e envelhecido prematuramente. O excesso de maquiagem denunciava o desespero com que ela tentava se agarrar aos restos de sua juventude.
_ Só um whisky, por favor.