sábado, 16 de outubro de 2010

O veneno que nos separou


Silêncio. Frio. Muito frio. E era só isso. Não... Havia mais... Havia uns lampejos de luz...
E foi assim por algum tempo. Ela não estava em lugar nenhum e por algum tempo também não pensou sobre isso.

Com sua consciência voltando do não-ser, ela se sentiu como uma pedra, que do fundo de um lago escuro e lamacento, inexplicavelmente começasse flutuar em direção à linha dágua.
Sua mente pesava toneladas e era difícil mantê-la...

Quanto mais perto da superfície mais cores e formas distinguia, os ruídos ficavam mais, nítidos e havia mais, muito mais frio.
Quando começou a voltar a si, do fundo imóvel e inerte desta escuridão, achou que seu coração batia a intervalos enormes. Isso dava medo. Várias eternidades entre uma batida e outra.
"Nunca reparei como é aconchegante o bater do coração... "_ pensou, por que, naquele momento, já sabia quem era ela.
"Seria tão mais fácil simplesmente não respirar...” , pensou pois o ar parecia espesso e pesado.
Ela fora alertada que tudo isso aconteceria, Frei Lourenço a advertiu...
Então não estava muito assustada.
"_Minha, filha, muito cuidado quando você for tomar o veneno... Se tomar demais morrerá, o que é um risco, então para cada arroba de seu peso adicione uma gota à água. Tomando a quantia certa estará, para todos os efeitos e aparências, morta. E assim estará por não menos que o período de duração de um dia, do nascer ao ocaso do Sol.“ Lembrava dos conselhos do pároco.
“Se por outro lado, criança, tomar menos do deve, até certo limite, terás o mesmo efeito, mas, enquanto seu corpo permanece inerte e semi-morto, sua mente estará viva e atenta. O que lhe dará uma enlouquecedora sensação de medo, pânico, de ser enterrada viva, de sofrer autópsia ainda acordada. De dentro da prisão de seu corpo gritará por horas e, obvio, não será ouvida por ninguém... Houve pessoas que voltaram desta experiência loucas, de uma loucura do pior tipo. Então ser quiser fazer algum teste, criança, é preferível colocar mais a menos gotas. Entendeu?”
"Devo ter errado em alguma coisa" _ pois sua consciência voltava antes de seus movimentos. " Mas não muito."
Uma voz.
Ouviu mesmo? _ uma voz familiar e querida. Dava-lhe conforto saber que não estava sozinha. Sua consciência voltava aos poucos e devagar podia discernir o que ouvia.
Eram lamentos e choro. Podia ouvir Deus sendo amaldiçoado pelo seu amado que estava ali ao seu lado a abraçando. Sentiu lágrimas caírem sobre seu rosto e um beijo doce e leve tocarem seus lábios.
“Meu amado!” _ pensou ela _ “_Mais alguns minutos e estaremos juntos para sempre meu amor. Como te quero bem... Prometo que me desculparei até o final dos tempos por estas lágrimas que derramastes inutilmente agora sobre minha face fria!”.
Ela sentiu suas mãos serem apertadas com força e mais um beijo. Ouviu um adeus e soube que aquilo era uma despedida.
“Só mais um pouco...” _ pensou sentindo que conseguia mover, levemente, os dedos dos pés.
Sentiu a face do amado sobre seu peito. O ouviu dizendo que breve estariam juntos.
“O veneno que nos separou será o vinho do qual brindaremos nossa união eterna!” _ gritou ele.
“Ele não entendeu!”
Ela fez uma força sobre humana invocando seu corpo, que continuou não respondendo.
“Não! Não! Não! Não beba isso!” _ pensava enquanto o sentia deitar ao seu lado no mármore gelado, se aninhando, como ela, sobre as flores.
“_Não! Não! Não! Meu amado, por favor, vomite isso!” Gritava loucamente, mas sua boca não emitia um único som.
Ela sentiu o peso da cabeça dele repousando no seu ventre. E percebeu que seus movimentos ficavam mais raros.
“Não! Não! Não!” _Nãaaaaaaaaaaaaaaooooooooo!!!!!!! _ Levantou-se de um pulo.
O efeito final do veneno acabou tão rápido que ela acordou como de um pesadelo.
Olhou para o lado e viu que seu amado caíra de rosto para o chão. Ela o virou a tempo de presenciar, no ultimo vestígio de consciência dele, a expressão de incredulidade. Os olhos esbugalhados ficariam assim depois do fim. E ele não soube o que aconteceu realmente.
_Romeu... Meu amor!... Por que não esperou mais um pouquinho só ?!?
Julieta, tremendo de frio, a pele quase azul, começou a chorar compulsivamente e, dentro da bainha de Romeu, havia um ornamentado e brilhante punhal.


Nenhum comentário: